Quando eu cheguei aos Estados Unidos, em 1984, fui morar em East Orange, New Jersey.
Éramos 11 pessoas dividindo um apartamento de três quartos em cima de uma pizzaria da Central Avenue. O dono do prédio descobriu a superpopulação do imóvel e exigiu a remoção imediata de seis pessoas. Eu havia sido o último a chegar, uma semana antes.
Fiquei tranquilo, apesar de recém-chegado e nada saber da vida em um país de língua, clima e costumes diferentes.
Logo na chegada, fiquei sabendo de um lugar não muito distante, onde a maioria das pessoas falava português. Fiquei tentado e espantado. Estados Unidos em português?
Era para lá que eu iria.
Peguei um ônibus naquela manhã fria de abril e desci na Penn Station, em Newark, seguindo as indicações anotadas em um guardanapo por um amigo: Ferry Street.
Eu quase não acreditei no que vi.
Restaurantes, lojas, pessoas que me pareciam familiares, apesar de jamais tê-las visto, representaram um ‘convite’ irrecusável.
Perambulei pelas ruas, batendo de porta em porta procurando emprego. Acabaria sendo admitido em uma padaria que fazia o melhor pastel de natas da cidade, a Pita’s Bakery, na esquina de Ferry e Van Buren.
Lojas de roupas, ferragens, barbearias, mercearias, padarias e até uma livraria com acervo abundante de Fernando Pessoa, nas cinco esquinas, fizeram os meus olhos brilhar.
Não havia um único negócio brasileiro no bairro dos portugueses e eu não sabia, naquele momento, que este seria o cenário da realização dos meus sonhos de imigrante.
Vim para ficar dois anos, juntar uma grana para comprar uma casa e abrir um negócio em Governador Valadares e nem me dei conta de que o tempo foi passando e eu fui ficando.
Recebi o green card em 1988 e, cinco anos depois, já estava habilitado a receber a cidadania norte-americana, motivo de grande alegria.
Lá se vão 35 anos, completados no último dia 10 de abril e nenhum arrependimento por trazido a minha juventude para cá e construído uma trajetória da qual os meus pais muito se orgulharam.
Durante todos esses anos, assisti a uma transformação profunda no Ironbound.
Primeiramente, com a presença cada vez maior dos brasileiros, que foram dividindo o espaço com os lusitanos, que não viram com bons olhos a crescente onda de ‘brasucas’ aportando por aqui.
Havia muito preconceito contra nós.
Cansei de escutar que todo homem brasileiro era preguiçoso e toda mulher prostituta. Para alugar um apartamento, por exemplo, tínhamos que pedir para que algum amigo português ligasse para o locatário, dizendo que o apartamento era para ele.
De lá para cá, muita coisa aconteceu. Casei, tive duas filhas e aprendi muito sobre a cidade, que aprendi a amar como se fosse o meu local de nascimento.
Newark corre em minhas veias.
Aprendi que o poeta beatnick Allen Ginsberg, de quem sempre fui fã, nasceu aqui.
Assim com Sarah Vaugh e Dione Warnick, estrelas do jazz; atores consagrados como Joe Pesci, Ray Liotta e Danny Devito; O sapateador Savion Glover, o cantor Paul Simon e a diva Withney Houston; Shaquille O’Neal, astro do basquete, que acaba de construir um prédio de mais de 168 apartamentos nos fundos do NJPAC, também nasceu em Newark.
O bairro Ironbound, que tão bem me acolheu, já não é mais o mesmo dos tempos de chegada: melhorou, “embonitou”, cresceu e hoje passa por um processo de gentrificação.
O comércio lusitano – que antes reinava absoluto – ganhou a companhia de lojas e restaurantes brasileiros e, mais recentemente, vive um ciclo de significativa presença de equatorianos e mexicanos.
Nas próximas edições do Brazilian Voice estarei contando algumas histórias da comunidade brasileira ao longo das últimas três décadas. Lembrarei fatos pitorescos ou importantes e homenagearei personagens que pavimentaram o caminho, criando esta estrutura espetacular para os que chegaram depois.
É assim que Jack Bola, Francisco Sampa, Amara Guimarães, Paulinho Bebum, Geraldo Corredor, Evandro Cambalhota, Paulão do basquete, DJ Kojack, Jeter Viana, Lucinho Bizadão, Brazilian Energy, Gil Faria e tantos outros nomes voltarão às ruas de Newark uma vez mais.
A saga dos brasileiros no ‘Nurkão’ começa semana que vem.
Fonte: Brazilian Voice