- Paul Adams
- Correpondente diplomático da BBC News
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Os líderes do Irã disseram que suas políticas não mudariam com base no resultado da eleição presidencial dos EUA
Na longa lista de tarefas do presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, está voltar a integrar ao acordo nuclear com o Irã.
Celebrado em 2015, o Plano Conjunto e Abrangente de Ação (PCAA) foi costurado pelo governo de Barack Obama, o antecessor de Donald Trump na Casa Branca.
Mas Trump retirou os Estados Unidos do acordo em maio de 2018 e, desde então, tem feito o possível para demoli-lo.
Mas apesar de mais de dois anos da sua política de “pressão máxima” sobre o Irã, o país não cedeu e está mais perto de adquirir a tecnologia necessária para uma arma nuclear.
Biden, que assume em 20 de janeiro, conseguirá voltar ao status quo de antes?
“A estratégia é muito, muito clara”, diz Aniseh Bassiri Tabrizi, especialista em Irã do Instituto Real de Serviços Unidos, centro de estudos de defesa e segurança internacional baseado em Londres, no Reino Unido. “Mas não será fácil.”
O próprio Biden reconheceu isso em uma entrevista ao jornal The New York Times no início de dezembro, mas também afirmou que “a última coisa de que precisamos naquela parte do mundo é um aumento da capacidade nuclear”.
Condições e recusas
É justo dizer que existem desafios consideráveis. A começar pela complexa teia de sanções impostas pelos Estados Unidos nos últimos dois anos.
Além disso, após os Estados Unidos se retirarem do PCAA, o Irã começou a dar para trás em seus próprios compromissos.
Biden disse que retornará ao acordo nuclear e suspenderá as sanções se Teerã voltar a “cumprir integralmente o acordo nuclear”.
O Irã respondeu que não aceitará as pré-condições de Biden e que os Estados Unidos devem retornar ao acordo antes que as negociações possam ocorrer, segundo o ministro das Relações Exteriores, Javad Zarif.
Urânio enriquecido
Quando Trump abandonou o acordo nuclear, justificou que queria forçar o Irã a negociar um novo acordo que impusesse restrições indefinidas em seu programa nuclear e também interrompesse o desenvolvimento de mísseis balísticos.
O Irã se recusou e, em julho de 2019, ultrapassou o limite de 3,67% para o enriquecimento de urânio.
Ao mesmo tempo, o país tem hoje estocada cerca de 12 vezes a quantidade de urânio pouco enriquecido permitida pelo PCAA, de acordo com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
O urânio pouco enriquecido é usado para muitos fins civis relacionados à energia nuclear. Mas, em seu mais alto estado de purificação (do qual o Irã não está nem perto, nem se sabe que está tentando fazer isso), ele pode ser usado em uma bomba nuclear – daí a preocupação.
Mas o governo iraniano insiste que suas ambições nucleares são inteiramente pacíficas.
Essas talvez sejam provavelmente questões relativamente simples de se lidar. As autoridades iranianas disseram que seus movimentos em direção ao não cumprimento são “reversíveis”.
Mas os avanços na pesquisa e desenvolvimento iranianos não podem ser simplesmente anulados. “Não podemos voltar atrás”, disse Ali Asghar Sol Budaph, ex-embaixador do Irã na AIEA.
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O presidente Hassan Rouhani disse que o Irã aproveitaria ‘qualquer oportunidade’ para ‘diminuir a pressão das sanções’
O Irã que resistiu à tempestade Trump também tem suas próprias demandas. As autoridades dizem que a remoção das sanções não será suficiente. O país espera ser indenizado por dois anos e meio de danos econômicos graves.
Além disso, o governo iraniano diz que o próprio governo americano deixou de cumprir seus compromissos.
Em uma conferência virtual, Zarif afirmou que os Estados Unidos “violaram gravemente” uma resolução da Organização das Nações Unidas (ONU) que endossa o acordo nuclear quando o abandonaram.
“Os Estados Unidos devem cessar suas violações do direito internacional”, disse ele. “Isso não requer negociações.” Zarif continuou, dizendo que os Estados Unidos “não estavam em posição de estabelecer condições”.
Pressão política
Com as eleições presidenciais do Irã se aproximando em junho do próximo ano, campos reformistas e linha-dura estão disputando posições no país.
As avaliações populares do presidente Hassan Rouhani, visto como moderado, caíram à medida que a situação econômica do Irã piorou. Será que Biden sentirá necessidade de aumentar as chances de Rouhani reduzindo as sanções?
No início de dezembro, o Parlamento do Irã elevou a pressão sobre Biden ao aprovar um projeto de lei que impede as inspeções da ONU em suas instalações nucleares e exige que o governo retome o enriquecimento de urânio para 20%, bem acima dos 3,67% acordados no acordo, se as sanções americanas não forem abrandadas dentro de dois meses.
Rouhani disse que se opõe à implementação da lei, mas o líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, que é a autoridade máxima do país, ainda precisa deixar clara sua posição sobre o projeto.
Isso ocorreu após o assassinato do principal cientista nuclear do Irã, Mohsen Fakhrizadeh, que teve um papel crucial no programa nuclear do país.
Ele foi morto em um misterioso ataque a uma estrada fora da capital Teerã. O Irã acredita que Israel e um grupo de oposição exilado usaram uma arma de controle remoto. O governo israelense não comentou publicamente as alegações de seu envolvimento.
No entanto, a margem de manobra de Biden pode ser limitada. O apoio ao acordo nos Estados Unidos está dividido em linhas partidárias, com a maioria dos republicanos se opondo.
Os resultados das duas votações em segundo turno da Geórgia para o Senado em janeiro determinarão o equilíbrio de poder em Washington e, possivelmente, a liberdade de ação do próximo governo.
Antigos aliados e novas alianças
Claro, o PCAA nunca foi um assunto bilateral. Seus outros patrocinadores internacionais (Rússia, China, França, Reino Unido e Alemanha, além da União Europeia) estão todos, de uma forma ou de outra, investidos nos seus rumos.
Os patrocinadores europeus, em particular, estão ansiosos para ver Washington mais uma vez comprometido com o sucesso do acordo.
O Reino Unido, a França e a Alemanha tentaram manter o acordo vivo durante os anos Trump e agora podem desempenhar um papel na negociação dos termos do retorno americano.
Mas há um reconhecimento de que o mundo mudou e que um simples retorno ao plano original é improvável.
“Até esses países agora falam cada vez mais em um novo acordo que dê continuidade ao PCAA”, diz Tabrizi.
Qualquer acordo desse tipo, afirma a especialista, teria como alvo as atividades regionais do Irã e o desenvolvimento de mísseis balísticos, bem como limitar as atividades nucleares quando as cláusulas do PCAA começarem a expirar.
O fato de que algumas das potências regionais que se opuseram ao plano, como Israel, Emirados Árabes e Bahrein, recentemente assinaram acordos de normalização de relações diplomáticas patrocinados e fortemente promovidos pelo governo Trump tornará seus interesses muito mais difíceis de ignorar.
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O Irã tem o maior e mais diverso arsenal de mísseis balísticos do Oriente Médio
“Se vamos negociar a segurança de nossa parte do mundo, devemos estar lá”, disse o embaixador dos Emirados Árabes Unidos em Washington, Yousef al-Otaiba, ao público em um seminário recente organizado pelo Instituto de Estudos em Segurança Nacional da Universidade de Tel Aviv.
A determinação do embaixador foi confirmada por seu interlocutor israelense, o diretor do instituto, Amos Yadlin. “Israel também quer estar à mesa”, disse Yadlin, “com nossos aliados no Oriente Médio.”
Por sua vez, o rei Salman, da Arábia Saudita, fez um apelo pro “uma posição decisiva da comunidade internacional contra o Irã”.
Reviver o PCAA e, ao mesmo tempo, acomodar os pontos de vista e interesses daqueles que o temem ou desprezam representará um quebra-cabeça diplomático muito complicado para Biden. E não esqueçamos: o governo de seu antecessor ainda não acabou.
A mídia americana informou que Trump perguntou na semana passada a conselheiros seniores sobre as opções para atacar uma instalação nuclear iraniana, mas que ele foi dissuadido.
Desafiando as normas tradicionais associadas aos fins de governos, ele ainda está pressionando o Irã, introduzindo novas sanções desde sua derrota nas eleições e ameaçando impor ainda mais.
O que quer que ele acabe fazendo até o final de janeiro, a intenção parece clara: tornar o mais difícil possível para Joe Biden desfazer os resultados.
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Fonte: BBC