Depois de um julgamento histórico, o processo de impeachment do presidente americano, Donald Trump, chegou ao fim nesta quarta-feira. Em um resultado que já era esperado, Trump foi absolvido das acusações de abuso de poder e obstrução do Congresso.
Eram necessários 67 votos para que o presidente fosse removido do cargo. Em um Senado controlado pelos republicanos, a acusação de abuso de poder foi rejeitada por 52 votos contra 48, e a de obstrução do Congresso foi rejeitada por 53 votos contra 47. O único republicano a votar pela condenação foi o senador Mitt Romney, que representa o Estado de Utah.
O presidente havia sofrido impeachment na Câmara, acusado de ter pressionado o governo ucraniano a investigar o ex-vice-presidente Joe Biden (que é um dos pré-candidatos democratas à Presidência e possível rival de Trump na eleição de novembro) e seu filho, Hunter Biden, e de ter tentado atrapalhar a apuração do caso.
O terceiro processo de impeachment presidencial da história americana chega ao fim a nove meses das eleições presidenciais de novembro. Mas, segundo analistas ouvidos pela BBC News Brasil, o impacto da absolvição de Trump na corrida eleitoral deve ser limitado.
“Não acho que fará qualquer diferença”, diz à BBC News Brasil o cientista político David Barker, professor da American University, em Washington. “Todos já sabiam há meses como isso iria acabar. A divisão partidária na política dos EUA é extremamente forte atualmente e não há nada que posa alterar essa dinâmica.”

Narrativas opostas
Segundo especialistas, é provável que ambos os lados usem o resultado para reforçar sua narrativa e mobilizar seus apoiadores, mas isso não deve mudar a opinião de muitos eleitores.
“A mesma sequência de eventos será usada de maneira completamente diferente pelos membros de cada partido”, diz à BBC News Brasil o cientista político Michael Traugott, da Universidade de Michigan.
Traugott ressalta que há profundas diferenças na maneira como os membros de cada partido encaram o episódio. “Enquanto os democratas veem como uma crise constitucional, os republicanos dizem que o presidente esteve sob ataque dos democratas desde que foi eleito e que esta é apenas a manifestação mais recente disso”, afirma.
Para o cientista político Hans Noel, da Universidade de Georgetown, em Washington, o resultado não deve mudar a opinião da maioria dos eleitores, mas se encaixa muito bem tanto na linha de ataque dos democratas quanto na estratégia de campanha de Trump.
“Aqueles inclinados a não gostar do presidente terão mais um motivo e não vão mudar de opinião. E aqueles que gostam do presidente vão ressaltar o fato de que ele foi absolvido e isso vai reforçar sua opinião (favorável a Trump)”, diz Noel à BBC News Brasil.
De acordo com Noel, a narrativa dos democratas seria a de que Trump sofreu impeachment pela Câmara mas mesmo assim os republicanos não fizeram nada para removê-lo da Casa Branca, mesmo diante de evidências. Do lado republicano, o argumento seria o de que Trump é um líder que representa o povo e os democratas querem tirá-lo do poder.
“Ambas as narrativas provavelmente seriam usadas pelas campanhas de qualquer maneira (mesmo sem impeachment)”, ressalta Noel.
O cientista político Gregory Wawro, professor da Columbia University, em Nova York, concorda. “Os democratas vão insistir na questão de que os republicanos não foram responsáveis e não levaram adiante o impeachment com uma condenação. Os republicanos vão ressaltar que Trump foi absolvido e que o impeachment na Câmara teve motivações partidárias”, diz Wawro à BBC News Brasil.

Primárias
Segundo o cientista político Todd Belt, professor da George Washington University, em Washington, o fato de Romney ter votado contra Trump poderia levar a um pequeno enfraquecimento do apoio que o presidente tem no Partido Republicano.
“Isso sinaliza que há alguns republicanos que não estão felizes com o comportamento do presidente”, diz o cientista político à BBC News Brasil.
Mas Belt ressalta que o resultado chega em um momento em que Trump vê aumento de sua aprovação, que chegou a 49% segundo pesquisa Gallup, a mais alta desde o início de seu governo.
Enquanto isso, os democratas enfrentam uma acirrada disputa interna. A decisão do Senado ocorre na mesma semana em que o partido iniciou sua rodada de primárias para definir quem será o candidato a enfrentar Trump na eleição geral.
A primeira votação, realizada na segunda-feira, no Estado de Iowa, acabou em fiasco em meio a problemas tecnológicos na apuração dos votos. Até o fechamento desta reportagem, ainda não havia resultado oficial sobre o vencedor. Pete Buttigieg, ex-prefeito de South Bend, no Estado de Indiana, tinha 26,9% dos votos. Em segundo lugar aparecia Bernie Sanders, senador pelo Estado de Vermont, com 25,2%.
Segundo Belt, os problemas em Iowa podem afetar a confiança de que os votos estão sendo contabilizados apropriadamente e alimentar teorias da conspiração. A confusão em Iowa foi comemorada por Trump, que chegou a dizer no Twitter que era o único que poderia reivindicar uma grande vitória em Iowa.
Com 11 candidatos ainda na disputa, o Partido Democrata enfrenta uma profunda divisão interna sobre qual o nome com mais chances de derrotar Trump em novembro. A ala mais moderada da legenda insiste em um candidato centrista, como o ex-vice-presidente Joe Biden. Mas outros afirmam que a melhor maneira de vencer a eleição é com uma guinada mais à esquerda, com um candidato como Sanders, que se define como socialista, ou como a senadora Elizabeth Warren.
A próxima votação ocorre na semana que vem, em New Hampshire. O candidato será anunciado oficialmente durante a convenção do partido em julho. Os analistas consultados pela BBC News Brasil apostam que, seja quem for o escolhido, é provável que os democratas se unam para apoiá-lo, já que o objetivo principal é derrotar Trump.
“Dada a intensidade da oposição a Trump (por parte dos democratas), vão se unir em torno do escolhido. Mas quanto mais longas as primárias, mais difícil para um candidato mudar o foco e se concentrar em derrotar Trump (depois de ter focado em derrotar os adversários no mesmo partido)”, observa Wawro.

Discurso
Enquanto os democratas brigam entre si sobre o futuro do partido e o melhor nome para enfrentar Trump, o presidente proferiu o seu discurso sobre o Estado da União, na noite de terça-feira, já em clima de reeleição, sabendo que não corria o risco de ser condenado no processo de impeachment.
No pronunciamento anual em sessão conjunta do Congresso na Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados Federais) e com transmissão ao vivo pelas redes de TV, Trump não mencionou o impeachment e ressaltou as conquistas de seu governo.
O discurso de 78 minutos, na véspera da votação do Senado, ressaltou o clima de divisão. Enquanto republicanos aplaudiam e gritavam “Mais quatro anos!”, os democratas permaneceram sentados. Trump se recusou a apertar a mão da presidente da Câmara, Nancy Pelosi. Ao final do pronunciamento, ela rasgou sua cópia do discurso diante das câmeras ao final do pronunciamento.
Entre outros temas, Trump ressaltou o bom desempenho da economia do país e alertou para os riscos do socialismo, em referência a propostas de pré-candidatos democratas de um sistema de saúde universal.
“Em geral, o presidente que busca a reeleição costuma ser reeleito, especialmente quando a economia está bem”, ressalta Noel. “O simples fato de que a disputa parece acirrada (entre Trump e um candidato democrata) é incomum.”
Para os analistas, o sucesso da economia é mais importante que o resultado do impeachment para o resultado da eleição.
“Se houver uma recessão, muda o cenário, mas a economia tem se mostrado muito resiliente”, ressalta Wawro. “A economia é a principal questão. O impeachment será notícia velha a partir de amanhã.”

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Fonte: BBC