Beatrix von Storch: quem é a líder da extrema-direita alemã que se reuniu com Bolsonaro

  • Mariana Sanches – @mariana_sanches
  • Da BBC News Brasil em Washington

Beatrix von Storch, Bolsonaro ao centro e o marido dela posam para foto

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Beatrix von Storch e o marido em encontro com Bolsonaro no Palácio do Planalto

“Ao contrário do que diz a imprensa, ele é humilde, amável e bem humorado no trato pessoal.” A descrição sobre o presidente Jair Bolsonaro foi feita pela líder da extrema direita alemã Beatrix Von Storch.

Em suas redes sociais, ela publicou na segunda-feira (26/7) fotos nas quais aparece abraçada ou em reunião com um sorridente Bolsonaro.

Neta do ministro das Finanças de Adolf Hitler, Lutz Graf Schwerin von Krosigk, ela é uma das principais expoentes do polêmico partido nacionalista-conservador Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão).

E esteve no Brasil nos últimos dias, segundo ela mesma, “para conquistar aliados para o AfD”.

“Para enfrentar com êxito a esquerda, os conservadores também precisam se conectar melhor internacionalmente. O Brasil é uma potência emergente e, além dos Estados Unidos e da Rússia, pode ser um parceiro estratégico global que nos permita construir o futuro juntos”, disse von Storch.

Em Brasília, a deputada alemã se encontrou com a presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) e com o também deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), considerado o articulador internacional do pai com figuras da direita global, como o ex-estrategista de Donald Trump, Steve Bannon.

Em resposta à visita de von Storch a Bia Kicis, o Museu do Holocausto afirmou que “é evidente a preocupação e a inquietude que esta aproximação entre tal figura parlamentar brasileira e Beatrix von Storch representam para os esforços de construção de uma memória coletiva do Holocausto no Brasil e para nossa própria democracia”.

Bolsonaro tenta estreitar relações com Israel e chegou a prometer a transferência da embaixada brasileira para Jerusalém — um ato que os países árabes considerariam como afronta —, algo que jamais cumpriu.

O que pensa von Storch?

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Eduardo Bolsonaro em jantar com o ex-estrategista de Trump Steve Bannon, o conservador britânico Nigel Farage e a âncora da Fox News Laura Ingraham, em 2020

Crítica do atual presidente americano, Joe Biden, e apoiadora de Trump, Von Storch já foi integrante do Parlamento europeu e, atualmente, ocupa uma cadeira no Congresso alemão.

Em sua trajetória política, ela se envolveu em episódios mundialmente rumorosos — alguns dos quais lhe renderam investigação por possível violação da lei contra crimes de ódio da Alemanha.

Em dezembro de 2017, sua conta na rede Twitter chegou a ser suspensa depois que ela questionou a decisão do Departamento de Polícia da cidade alemã de Colônia de postar saudações de fim de ano também em árabe.

“O que diabos há de errado com este país? Por que a página oficial da polícia tuíta em árabe? Eles estão tentando pacificar as hordas de homens bárbaros, muçulmanos e estupradores?”, escreveu a parlamentar.

Em 2016, ela defendeu que a polícia alemã abrisse fogo contra imigrantes, incluindo mulheres e crianças, que tentassem entrar ilegalmente na Alemanha, algo que a chanceler Angela Merkel classificou como “absurdo”.

Descendente do grão-ducado de Oldenburg, que mais tarde comporia a Alemanha, Von Storch é opositora do casamento homoafetivo e contrária à existência do bloco da União Europeia. Ela já advogou, em entrevista à BBC, em 2018, que seria um ato patriótico dos alemães ter mais bebês dada a baixa natalidade na nação.

“A Alemanha não é o único país com problemas demográficos na Europa. Se os outros países quiserem levar um, dois, quatro milhões de imigrantes ilegais africanos para os seus países para resolver o problema demográfico, façam isso. Nós não queremos. Nós não achamos que isso resolve nosso problema. Isso está nos causando problemas”, afirmou a parlamentar alemã.

Para quais planos von Storch e o AfD precisam do Brasil como aliado?

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Além de se reunir com o presidente brasileiro, von Storch esteve com os deputados Eduardo Bolsonaro e Bia Kicis

Apesar de ter tido alta hospitalar poucos dias antes de receber von Storch no Planalto, o presidente Bolsonaro devotou à deputada alemã cerca de uma hora, tempo suficiente para que, nas palavras da líder política, ele a impressionasse “com sua compreensão clara dos problemas da Europa e dos desafios políticos do nosso tempo”.

Em seu post, nas redes sociais, ela é mais clara sobre quais assuntos seriam esses. Em primeiro lugar, von Storch tem se mostrado uma crítica do processo alemão de substituição das formas de produção de energia elétrica mais poluentes, como a nuclear e a fóssil, para alternativas mais limpas, um esforço da atual gestão germânica para cumprir as metas de cortes nas emissões de CO² do país. Ela também costuma caracterizar ONGs que militam por causas ambientais, como o Greenpeace, como criminosas.

Sob pressão dos Estados Unidos para se comprometer com metas ambiciosas de redução do desmatamento, o governo brasileiro não apresentou até agora um plano para conter o problema — que assumiu ritmo acelerado na gestão atual.

Bolsonaro já disse que havia uma indústria de multas ambientais e que essas mesmas ONGs contra qual von Storch se manifesta “criam narrativas” para disputar o controle sobre o destino da floresta brasileira.

Von Storch mencionou ainda ter falado com o mandatário brasileiro sobre como movimentos sociais, tais quais Black Lives Matter ou Antifas, formam “redes internacionais para colocar os conservadores contra a parede”.

Nisso, von Storch ecoa Trump, o maior aliado internacional de Bolsonaro até ser apeado da Casa Branca em janeiro de 2021 e que chegou a criminalizar movimentos por direitos civis negros e antifascistas.

Von Storch afirmou ainda compartilhar com Bolsonaro a oposição ao Pacto Global de Migração, um instrumento internacional lançado pela Organização das Nações Unidas e aprovado por 150 países em 2018 para facilitar processos de migração regular e garantir documentos e atendimento humanitário a migrantes irregulares.

Em 2019, o Brasil, que foi um dos signatários, deixou o pacto. O ex-chanceler brasileiro Ernesto Araújo afirmou que ele era “um instrumento inadequado para lidar com o problema (da imigração)”. “A imigração não deve ser tratada como questão global, mas sim de acordo com a realidade e a soberania de cada país”, disse Araújo.

A migração é um tema fundamental para a AfD já que catapultou eleitoralmente a legenda. O partido surgiu em 2013 e ficou de fora da representação no Parlamento alemão em sua primeira eleição, porque não chegou aos 5% de votação nacional necessária para compor o Legislativo.

E embora não tenha surgido como defensor de pautas da extrema-direita, a agremiação rapidamente adotou bandeiras contra a migração e o Islã, capturando um mal-estar na sociedade alemã, que passou a receber um grande influxo de marroquinos, argelinos, tunisianos, entre outros, a partir de 2015, em meio às agitações populares da Primavera Árabe.

Hoje, o AfD é a maior força de oposição no Parlamento alemão, com 86 cadeiras. O partido também construiu seu sucesso desafiando tabus e flertando com o racismo.

Alexander Gauland, co-presidente do AfD, já foi criticado por declarar que os alemães deveriam ter “orgulho” de seus soldados em ambas as guerras mundiais.

Embora as unidades SS, ramo militar do partido nazista alemão, fossem notórias pelas atrocidades alemãs na Segunda Guerra Mundial, as forças armadas regulares também cometeram muitos crimes de guerra.

Frauke Petry, outra das expoentes do partido, já tentou reabilitar o uso do termo da era nazista Völkisch, derivada da palavra alemã para povo e sequestrada pelo regime hitlerista para designar aqueles que eles viam como pertencentes à raça ariana.

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Fonte: BBC