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Paris Noel

“Plus ça change…”

“…plus c’est la même chose”. Ou “quanto mais as coisas mudam, mais elas continuam iguais”. Atribuída ao escritor francês Jean-Baptiste Alphonse Karr, a frase foi escrita há 172 anos e permanece muito verdadeira neste Natal que passo aqui em Paris.

Como já mencionei, é a primeira vez que venho à cidade em quase dois anos e esperava encontrar uma Paris diferente desta vez. Já no aeroporto, percebi que minha intuição estava certa, pelo menos, nesses primeiros momentos.

A primeira barreira é, naturalmente, a da saúde. O turista é obrigado a mostrar seus testes PCR negativos, mesmo escritos em português. Não vi ninguém ser rejeitado nessa etapa. O que é uma boa notícia.
Mas todo o sistema de imigração parece estar trabalhando no que a gente conhece no Brasil como “operação tartaruga”. Mesmo assim, uma hora e pouco depois de desembarcar, você está tão feliz de estar em Paris que todo esse transtorno se evapora como neve no chão quente.

Não evoco essa imagem à toa. Uma das minhas chegadas mais lindas na capital francesa foi justamente no inverno, aliás, na manhã de um dia 1º de janeiro, quando vi toda a paisagem em volta do aeroporto coberta de branco.

Na medida em que me aproximava do centro de Paris, no entanto, percebi que a neve ia se derretendo, com o calor da cidade talvez? A experiência de ver a paisagem urbana mudando de cor numa manhã gélida entrou imediatamente para o acervo da minha memória. Que, diga-se, é vasto.

Nesses meus 58 anos, quase 59, colecionei várias lembranças em Paris. Amores e amantes. Sabores e lágrimas. Silêncios e epifanias. Quantas experiências como essas me esperam nessa visita?

Tenho ainda três semanas pela frente e tenho ciência de que, assustada com o ômicron, a cidade vai me receber ligeiramente melindrada. Ou não?

Fui até agora a quatro restaurantes e em todos tive de mostrar meu “certificado de vacina”. O digital do SUS vale, aceito do tradicionalíssimo Chez Paul ao moderno Kunitoraya. E, entre as mesas, usamos máscaras.

Claro! Quanto pudermos evitar circular, correr o risco de pegar ou transmitir Covid, melhor. Mas o que quero dizer é que nada aqui em Paris, pelo menos até agora, me assustou.

Nos bulevares, caminhamos “a rosto nu”. Nas lojas, circulamos a boca coberta. “Pas mal”, como eles dizem por aqui (“Nada mal”, em português). As pessoas se beijam, afinal de contas, estamos na França! E o distanciamento social é um detalhe.

Claro que todos tomam cuidado. Encontrei várias tendas nas calçadas do Marais e da Bastilha com filas para vacina (tardia). Mas nem todas as limitações atuais tiram dos franceses o tal “joie de vivre”.

Chame de “prazer de viver”, do que for, mas o que está ainda inegavelmente permeando o cotidiano dos parisienses é essa alegria em estar aqui, comendo, bebendo, amando e vivendo.

Meus amigos do Brutos, Lucas e Ninon, fazem uma linda celebração de fim de ano. Meu “petit frère” sommelier, David, faz questão de me dar um abraço antes de partir para Tours para passar o Natal com a família. Maria Fernanda, casada com um francês tão querido quanto ela, esboça planos para a ceia de amanhã —se os sogros desistirem de ir à Normandia.

E “la vie continue” em Paris, como se a gente não tivesse passado por um grande pesadelo. Ainda o vivemos, como bem nos lembra o noticiário todos os dias. Mas só de estar novamente nesta cidade que eu amo, já me sinto com forças para acreditar de novo na vida, no amor, nas pessoas. Que é tudo que a gente precisa para celebrar mais uma vez o Natal.

Em Paris ou alhures.

Fonte: Folha de S.Paulo

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