
Já faz tempo, uma amiga bebia água na calçada do boteco onde o pessoal da editora se reunia depois do expediente às sextas-feiras. Não era de seu feitio. Precisei perguntar:
—Tá tomando antibiótico? Tá grávida?
Nem um, nem outro. Ela me explicou que não bebia cerveja por causa da Quaresma.
—Mas como? Na Quaresma não pode carne, cerveja tá liberada.
A amiga revirou os olhos em reação à minha ignorância. Uns bons anos mais nova do que eu, ela contou que muita gente cortava na Quaresma algum hábito que lhe era caro. No seu caso, o álcool. Tem gente que deixa de comer chocolate, de tomar café, de fumar.
É o sacrifício cristão à la carte.
Se houver Deus, será que Ele daria como cumprida minha Quaresma se eu parasse com a pizza por 40 dias, mas mantivesse o x-bacon? Não me parece lógico —na lógica da doutrina cristã.
Enfim, sei que cada um faz o que bem entende, mas a Quaresma seletiva faz tanto sentido quanto a adesão de brasileiros à trend gringa do “dry January”. Nos EUA, janeiro é um mês miserento de frio e ninguém tira férias; aqui, é o auge da trinca praia, cerveja e caipirinha.
Não tenho religião. Quando jovem, inocente, puro e besta, eu me rebelava contra o veto à carne na Sexta-Feira Santa —único dia da Quaresma em que a maioria dos ditos cristãos cumpre à risca a restrição alimentar.
Enquanto a família comia bacalhau, eu mandava frango, lombo de porco, churrasco.
Quanta disrupção! Fui aprendendo a aceitar que determinados rituais transcendem o âmbito religioso. O almoço de peixe na Semana Santa é um pretexto para reunir o povo querido para comer, beber vinho e falar bobagem.
Assim, escolhi para a coluna de Páscoa um prato bem brasileiro de peixe, feito sob a supervisão da amiga amazônida Ana Carolina. Uma receita de pirarucu!
PIRARUCU AO TUCUPI
Rendimento: 2 porções
Tempo de preparo: 20 a 30 minutos
Ingredientes
- 300 g de filé de pirarucu
- 2 dentes de alho
- Suco de ½ limão
- 1 colher (chá) de colorau
- 2 colheres (sopa) de chicória paraense pré-cozida
- 500 ml de tucupi
- 1 pimenta cumari ou de cheiro
- 50 g de jambu
- pré-cozido
- 1 xícara de farinha de trigo
- 1 xícara de farinha d’água
- Sal, coentro e cebolinha a gosto
Preparo
- Tempere o peixe com um dente de alho espremido, suco de limão e sal. Reserve. Num prato raso, misture as duas farinhas
- Numa panela, refogue o dente de alho restante, amassado com a faca, e o colorau em um pouco de óleo por cerca de 2 minutos. Junte a chicória picada e refogue por mais 2 ou 3 minutos
- Adicione o tucupi e deixe ferver por 10 minutos. Aqueça uma frigideira com 2 dedos de óleo. Junte o jambu ao tucupi e abaixe o fogo
- Passe o peixe nas farinhas e frite até dourar os dois lados. Escorra e junte ao molho de tucupi
Fonte: Folha de S.Paulo