
Na Copa do Mundo, como em qualquer outra ocasião, o boteco desempenha seu papel social, bastante definido e específico.
Não é um substituto do lar, nem das casas das pessoas queridas. É onde você pode se divertir só ou acompanhado, sem se preocupar com a bagunça da sala ou com a louça para lavar. É onde você interage, às vezes até o limite da intimidade perigosa, com desconhecidos que mui provavelmente não convidaria para a sua casa.
Ver futebol no bar é um clássico, mas na Copa esse universo se expande: além dos torcedores habituais, pipocam crianças e gente que, como eu, é desinteressada pelo rolar da bola nas demais circunstâncias.
O boteco socorre aquele que se encontra na rua na hora do começo do jogo. Seja porque saiu do trabalho, seja porque está viajando. Este é o meu caso, e prefiro dor de unha encavada a ver futebol sozinho num quarto de hotel.
Assistir à Copa no bar é sempre um programa divertido. Paradoxalmente, a Copa tem a capacidade de estragar, destruir e matar até os melhores botecos.
Para exibir um jogo, um bar precisa de uma TV. Aí está a raiz do problema: em tempos de não-Copa, a inexistência de uma TV ligada é pré-requisito para todo bar atingir a nota de corte.
Bastaria não ligar a TV, então. Pena que não funcione dessa forma.
O dono da birosca investe uma grana em sei lá quantos monitores de UHD, telão e o escambau a quatro. Investe na Copa, mas é muito dinheiro empenhado para um período curto assim.
Então ele tenta fazer render. Começa a ligar o aparelho no Brasileirão, na série B do estadual, no campeonato santista de bocha. Quando você se dá conta, está num bar que passa a 793ª reprise do episódio em que o Chaves vai para o Guarujá.
A esta altura, a TV pendurada no teto já gangrenou o espírito de um boteco que era bom antes da Copa. Já aconteceu muito no passado e vai acontecer de novo nos próximos meses.
Na minha curta passagem pela Chapada Diamantina, lugar de muitos turistas, escolhi o pico dos turistas que decidiram não voltar para casa. Gente de todo o Brasil que ficou por aqui para trabalhar como guia de trilhas, abrir um comércio qualquer ou, sei lá, vender incenso na rua.
O dono do boteco arrumou, emprestada com alguém, uma TV velha e relativamente pequena –em especial se você, como eu, sentou-se do outro lado da rua para não ter de equilibrar a cadeira dobrável no calçamento de pedras irregulares.
A TV estava conectada por cabo a um computador, que por sua vez se ligava à internet precariamente. Quando a imagem carregava, tínhamos um delay de um minuto e meio. Ou dois.
Algo até conveniente, visto que ouvíamos a gritaria de gol nos bares próximos e nos aproximávamos da tela para apreciar, em todos os detalhes, o voo do pombo Richarlison.
Depois do segundo gol, a transmissão travou de vez. Ninguém no bar reclamou. A cerveja estava trincando de gelada, a alegria da vitória não foi comprometida e aquele simpático boteco do sertão baiano foi salvo da maldição da Copa.
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Fonte: Folha de S.Paulo