Cidades europeias querem volta do turismo, mas não como antes

Cidades como Veneza, Amsterdã e Barcelona se preparam para devolver ruas aos turistas. Mas a partir de agora, de forma diferente: a pandemia serviu para reflexão sobre visitação mais sustentável e respeitosa aos moradores.

Em Veneza, é possível ver como a cidade, na verdade, se recuperou durante a pandemia. Sem as dezenas de milhares de turistas passeando pela cidade histórica todos os dias, sem navios de cruzeiro despejando visitantes no porto, a água ficou clara de repente, algo que não se via há seis décadas. Até golfinhos foram vistos novamente. E os moradores voltaram a circular livremente pela cidade sem ter que se espremer em meio à multidão nas ruas.

Ao mesmo tempo, a cidade percebeu o quanto é dependente do turismo. Antes da pandemia, os cerca de 20 milhões de visitantes gastavam em média 3 bilhões de euros por ano —e isso em uma cidade cujo centro histórico abriga apenas 50 mil moradores.

A Itália flexibilizou as restrições de entrada em seu território, e viajantes de outros lugares da União Europeia podem entrar no país desde que apresentem um teste negativo de Covid-19. Os primeiros turistas estão voltando lentamente à cidade, e Veneza tomou precauções para evitar o influxo gigantesco no futuro —ou pelo menos para torná-lo mais suportável.

Com câmeras de vigilância e coleta de dados de telefones celulares, a cidade quer administrar melhor o fluxo de turistas.

Após vários atrasos, o imposto planejado para turistas —uma taxa diária por visitante— será introduzida a partir de 2022. O valor dependerá do quanto a cidade estiver ocupada. Quem passar a noite em Veneza fica isento da taxa. O governo da cidade espera que isso mantenha os hóspedes na cidade por mais tempo e, assim, um turismo mais sustentável seja criado.

Para os moradores de Veneza, um dos maiores problemas são os navios de cruzeiro, que atracam a poucos metros da cidade histórica. Para muitos, eles se tornaram um símbolo do turismo nocivo, no qual o objetivo é ver o máximo possível em pouco tempo e depois partir.

No início de abril, o governo italiano decidiu proibir os navios de cruzeiro no canal Giudecca, que leva à histórica e famosa Praça de San Marcos. Eles deverão agora atracar a cerca de 10 quilômetros de distância, no porto industrial de Marghera.

A construção de um novo terminal de cruzeiros já está sendo planejada. Os críticos, no entanto, dizem que isso não é o suficiente. E exigem um limite de navios autorizados a atracar em Veneza por dia, semelhante ao que a cidade costeira croata de Dubrovnik já introduziu em 2019.

Veneza também quer resolver o problema dos aluguéis de curto prazo através de plataformas como o Airbnb. Junto com Florença, que também foi invadida pelo turismo de massa, o conselho municipal entregou ao governo italiano uma lista de exigências para um turismo do futuro. O manifesto exige que os proprietários sejam autorizados a oferecer seus imóveis por um máximo de 90 dias por ano.

Isso não serviria apenas para frear o turismo de massa, mas também para tornar os aluguéis novamente acessíveis para os habitantes locais. Os aluguéis explodiram nos últimos anos como resultado do turismo, forçando os locais a saírem da cidade. Outra exigência é a proibição de novas lojas turísticas e de souvenir. Elas dariam lugar a lojas que vendem produtos locais e tradicionais.

Ao fazer isso, Florença e Veneza estão seguindo o exemplo de outras cidades europeias assoladas pelo turismo de massa. Durante a pandemia, muitas cidade, como Praga, Budapeste e, mais recentemente, Viena, decretaram limites para aluguéis de curto prazo.

Essas cidades veem isso como um dos passos mais importantes para combater o turismo de massa no futuro. Amsterdã e Barcelona há muito tempo adotaram tais regulamentos. Elas são consideradas pioneiras na luta contra o turismo de massa, que os voos e a hospedagem baratos tornaram tão popular nos anos anteriores à pandemia.

Medidas polêmicas em Amsterdã

Amsterdã sofreu particularmente com o turismo de massa. No ano anterior à pandemia, a cidade recebeu quase 22 milhões de turistas —mais de 25% a mais do que os que vivem na capital holandesa.

Em 2030, poderão ser até 32 milhões de visitantes por ano, estima o conselho de turismo holandês. Uma grande parte deles, como acontece em Veneza ou Praga, se concentra em uma pequena e particularmente icônica parte da cidade.

Em Amsterdã, a região mais buscada por turistas é o Bairro da Luz Vermelha. Ali, o turismo de festa tornou a vida insuportável para muitos residentes. À noite, muitos deles não conseguiam dormir por causa do barulho nas ruas. Pela manhã eles tinham que se equilibrar entre poças de urina e montanhas de lixo.

Iniciativas para criar consciência cidadã e aumentar as multas por beber em público, por exemplo, tiveram pouco efeito.

A prefeitura tomou, portanto, outras medidas durante a pandemia para tornar o distrito menos atraente para os turistas. Em junho do ano passado, decretou a proibição de aluguel de férias, incluindo Airbnb e similares, em três distritos do centro da cidade. A medida, porém, foi derrubada por um tribunal em meados de março. A cidade continua a buscar uma maneira de manter a proibição no centro da cidade.

A prefeitura quer fechar gradualmente as famosas janelas do bairro onde as prostitutas posam para potenciais clientes. No futuro, um centro erótico fora do centro da cidade vai abrigar as prostitutas. Os famosos “coffee shops” devem ser autorizados a vender maconha somente aos locais, para manter os turistas distantes.

Mas muitos moradores criticam as novas medidas. Eles temem que isso possa roubar o caráter cosmopolita da cidade. Um grande número de prostitutas também está preocupado com a falta de clientes se elas forem expulsas do centro da cidade.

Uma iniciativa cidadã está exigindo uma abordagem diferente. O número de pernoites turísticas deveria, em vez disso, ser reduzido para 12 milhões por ano. De acordo com a petição, esta é a única maneira de “o turismo andar de mãos dadas com a qualidade de vida na cidade no futuro”. Mais de 30 mil moradores já assinaram a petição. Agora a prefeitura tem que avaliar como seguir com as propostas.

Barcelona como nunca antes

Em Barcelona, não está planejado nenhum limite para a quantidade de visitantes. Pelo contrário: atualmente a capital catalã está fazendo propaganda para turistas novamente –com o slogan “Barcelona como nunca antes”.

De agora em diante, a cidade quer se ver ainda mais como um destino cultural sustentável e assim atrair “turismo de qualidade”, segundo o departamento de marketing turístico de Barcelona.

“Barcelona quer se afastar das multidões e convidar seus visitantes a passear por espaços abertos, verdes e acessíveis”, diz a entidade, sem explicar exatamente como isso poderá frear o turismo de massa no futuro.

Mas Barcelona também não está inerte. Mesmo antes da pandemia, a cidade tinha uma das regras mais duras em matéria de alojamento turístico. Os hotéis e pousadas não obtêm mais licenças no centro da cidade. E os aluguéis de curto prazo também são estritamente regulamentados.

Em fevereiro, a prefeitura reforçou novamente as regras. Os proprietários só estão autorizados a alugar quartos em suas próprias casas se o hóspede permanecer por pelo menos 30 dias. Como poucos turistas fazem isso, a medida equivale a uma proibição de aluguéis de curto prazo.

Além disso, os ônibus turísticos que transportam excursionistas, por exemplo, da Costa Brava, só poderão chegar fora do centro da cidade. Os viajantes também receberão mais informações sobre as atrações distantes dos “pontos turísticos obrigatórios”.

Projetos como o novo aplicativo “Check Barcelona” também ajudarão. Semelhante a Veneza, Barcelona quer contar ainda mais com a digitalização para orientar os visitantes. O novo aplicativo mostra aos usuários, por exemplo, onde atualmente está muito lotado e sugere um lugar menos cheio. Ingressos poderão ser reservados diretamente no aplicativo, o que poderia reduzir os tempos de espera nos famosos pontos turísticos.

Se tudo isso é suficiente para realmente mudar a maré é questionável. Em breve, os habitantes de Barcelona terão que devolver parte de sua cidade aos turistas. Então o passeio relaxado em Las Ramblas poderia mais uma vez se tornar uma corrida de obstáculos. E provavelmente eles também terão que fazer fila novamente diante da Sagrada Família.

Durante a pandemia, os moradores de Barcelona tinham a catedral inacabada de Antoni Gaudí só para si. E nem precisavam pagar uma taxa de entrada. Desde sábado (29), a Sagrada Família está novamente aberta para os turistas.

Fonte: Folha de S.Paulo