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Bairro descolado é nova atração do Kentucky, estado do bourbon e dos cavalos

Quatro coisas costumam vir à mente quando se fala no Kentucky: frango frito, o ritmo bluegrass, o uísque bourbon e o dérbi —a tradicional corrida de cavalos que ocorre no mês de maio. Dá para se ter um gosto de cada um ao passar um dia ou dois em Louisville, a maior cidade desse estado americano.

Mas seria injusto dizer que ela se resume a esses quatro elementos. Até porque estaríamos ignorando transformações urbanas que estão dando nova cara à sua outrora decadente região central.

NuLu —aglutinação dos termos “new” e “Louisville”— é como tem sido chamado o distrito de East Market. Nos últimos anos, a área ganhou galerias de arte, destilarias, cafés moderninhos e lojas de antiguidades enfileiradas em bem preservadas construções do século 19, com fachadas preenchidas por murais.

Um bairro hipster, daqueles que desafiam os estereótipos de um estado associado ao conservadorismo. O condado do qual Louisville faz farte foi um dos dois únicos em todo o Kentucky a dar vitória a Kamala Harris —os demais 118 votaram em peso em Donald Trump.

Por ali, o pessoal não se cansa de dizer que NuLu acaba de ser eleito um dos dez bairros mais descolados do país pelo jornal USA Today. A publicação também cravou que os cookies da cafeteria local Please and Thank You estão entre os melhores que há. Difícil dizer se valem a hipérbole, mas os biscoitos de chocolate são gostosos: saem quentinhos, nem tão moles nem tão duros, a US$ 3,75 (R$ 21,50) a unidade.

Se a ideia for seguir atrás de picos de açúcar, dá ainda para provar os quitutes da Muth’s Candies, bem ao lado. A doceria fincada por ali desde os anos 1920 vende bombons recheados com bourbon, o uísque local, e também as modjeskas, um doce típico à base de marshmellow e caramelo.

Embora tenhamos passado direto à sobremesa, vale voltar algumas casas e falar dele, o frango frito. Sim, o Kentucky mostrou para o mundo a rede KFC e tem orgulho de ostentar nas empenas cegas dos prédios de Louisville a figura do Coronel Sanders, o fundador da rede de lanchonetes.

Dá para se empanturrar de tenros pedaços da ave sem ter de recorrer ao fast-food. O Royals Hot Chicken figura entre as principais dicas dos locais para quem quer provar a iguaria. Por ali, os nacos de frango, bem macios e recobertos por uma casquinha crocante, vêm em cinco níveis de picância. Acredite: a de número 2 já é mais do que o suficiente para quem curte comida apimentada.

Ainda sem sair da área de NuLu é possível dar um pulo na Rabbit Hole, uma das destilarias de bourbon que oferecem tours guiados com direito a degustação. Por US$ 25 (R$ 143,75), o turista pode conhecer a produção dessa que é a única bebida 100% americana.

Trata-se, em resumo, de um uísque à base de milho envelhecido em barris de carvalho. Para ser considerada um bourbon, a bebida precisa ser necessariamente produzida em território americano, e o Kentucky é o seu principal polo. Na comparação com o uísque, o bourbon tende a parecer mais adocicado, mais palatável.

Há mais a se conhecer em Louisville para além desse distrito.

O Muhammad Ali Center, não muito longe, reúne um acervo de respeito sobre o pugilista e ativista que não só é o filho mais ilustre da cidade de Louisville como uma figura central para entender a segunda metade do século 20.

Uma linha do tempo interativa conta a história de Ali misturando seus feitos no esporte e seu ativismo —mais notadamente a sua recusa em lutar na Guerra do Vietnã, que lhe custou o título mundial do boxe e uma suspensão de três anos dos ringues. Os ingressos custam US$ 20 (R$ 115).

A 15 minutos a pé do museu fica o Seelbach Hotel, inaugurado em 1905 e ainda em plena operação. Erguido numa época de opulência, bancada pela indústria fervilhante, reuniu entre seus hóspedes um punhado de presidentes. Nos tempos da Lei Seca, o gângster Al Capone era habitué de suas mesas de pôquer clandestinas.

Mas seu mais notório frequentador talvez seja o escritor F. Scott Fitzgerald. Foi ali, entre um goró e outro, que o autor da era do jazz rascunhou a sua mais famosa obra, “O Grande Gatsby”.

E, para marcar os cem anos da publicação do romance, comemorados em 2025, o hotel encomendou a reforma de uma de suas suítes com elementos art déco, bem ao estilo do livro. Se o quarto estiver vago, ele pode ser visitado num dos tours guiados oferecidos pelo Seelbach, que costuram anedotas locais e folclóricas, como a de uma tal Senhora de Azul, fantasma que assombra aqueles corredores centenários.

Mais ao sul, a pista de Churchill Downs é conhecida por sediar o Kentucky Derby, mais famoso turfe do mundo. Nos primeiros domingos do mês de maio, a cidade enche de turistas para acompanhar uma disputa que dura não mais do que dois minutos.

A tradição vem de 1875, quando a então ascendente elite americana quis replicar as corridas de cavalo que ocorriam na Inglaterra, com direito a apostas e desfiles de chapéus. Desde então, a despeito de guerras, crises e pandemia, não houve ano que não tivesse havido uma edição. A próxima está marcada para 3 de maio.

O estádio tem capacidade para 160 mil espectadores e costuma receber políticos e celebridades em seus proibitivos camarotes. A maior parte do público se espalha pelos assentos debaixo do sol, cujos tíquetes estão à venda a partir dos US$ 150. A tradição no dia do dérbi é encher a cara com mint julep, o drinque à base de bourbon e xarope de menta.

É possível visitar o local em qualquer época. Quem paga US$ 20 (R$ 115) tem acesso ao museu do dérbi, que usa vídeos e fotos para contar a história do evento e permite ao visitante posar com aqueles chapéus extravagantes ou montar num simulacro de equino para se sentir um jóquei. Dá ainda para fazer um tour pelo entorno das pistas e ver os cavalos treinando.

Por fim, vale ainda pegar algum show de bluegrass — ritmo local, que foi influenciado pelo caldeirão cultural da região da Appalachia, ali próxima. Como o Kentucky está no entroncamento das regiões do sul e do meio-oeste americanos, a música dali une elementos do blues, do country, do jazz e do folk. Pense numa música caipira carregada pelo som do banjo, do violino e do contrabaixo.

O Headliners Music Hall é o mais indicado em Louisville para ouvir o som. Preparou um baile bluegrass no próximo dia 1º em que encoraja o público a usar trajes da região (suspensórios, jardineiras, chapéus, botas). Os ingressos custam US$ 30 (R$ 172).

O jornalista viajou a convite do Travel South USA

Fonte: Folha de S.Paulo

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