Apesar de restrições, demanda por viagens aos EUA dobra em dois meses

A pandemia não arrefeceu o encantamento do brasileiro pelos Estados Unidos. Entre maio e junho, de acordo com o site Decolar, duplicou a procura por passagens para Nova York, Orlando e Miami,
com embarque no México.

A escala obrigatória se deve à restrição imposta pelo governo norte-americano, que proibiu a entrada de qualquer pessoa que more ou tenha pisado em 38 países, Brasil entre eles —o único jeito de driblar a medida é passar pelo menos 15 dias em um país que não faça parte da lista antes de cruzar a fronteira.

O preferido dos brasileiros tem sido o México. Cidades como Cancún e Playa del Carmen estão entre as mais procuradas pela beleza das praias. Mas a temporada pesa no bolso.

“Se considerarmos hospedagem e alimentação em padrão standard, essa quinzena no México soma no mínimo R$ 7 mil por pessoa ao orçamento”, diz Gustavo Faustino, proprietário da Faustino
Vistos, que presta assessoria na burocracia da viagem.

Classificar a passagem pelo México de quarentena não passa de licença poética. O governo não exige apresentação de exame PCR negativo para entrada no país —basta preencher um formulário sanitário antes do embarque. Chegando lá, os turistas ficam livres para passear.

A advogada mineira Michelle Souza, 29, acaba de passar por Cancún, a caminho de Miami, e relata que a cidade vive plenamente a alta temporada.

Hospedada em um apartamento alugado pelo Airbnb, pelo qual pagou 80 dólares por dia (cerca de R$ 400), ela circulou por pontos turísticos da Riviera Maia. Encontrou espaços cheios e preços em alta.

“Comparando com outra viagem que fiz à região, achei tudo caro. Você só vê gente de máscara dentro de lugares fechados. No mais, muita aglomeração nas praias e baladas noturnas. O clima na cidade é de ‘vida que segue’.”

Outros países servem de pouso para brasileiros a caminho dos Estados Unidos, mas o gasto pode ser até maior. Quem cumpre a “quarentena” na República Dominicana ou na Costa Rica precisa apresentar RT-PCR ou teste de antígeno negativo, realizado no máximo 72 horas antes do embarque, e paga a partir de R$ 9 mil, por pessoa, pela hospedagem e alimentação.

De olho na súbita demanda por pacotes no México, a Latam acaba de ampliar o número de voos para o país. A rota direta São Paulo-Cancún, lançada em 4 de junho, já registra ocupação média de 95%, o que estimulou a companhia aérea a estender a oferta até agosto.

Os voos, em Boeing 767, acomodam 191 passageiros na classe econômica e 30 na executiva. No site da Latam, só esse primeiro trecho custa entre R$ 2.934,49 e R$ 22.449,59. Apesar do preço salgado, 70% das passagens para julho já estão vendidas.

“Estamos ofertando voos devagar, mês a mês, porque provavelmente muitos passageiros vão preferir voar direto para os Estados Unidos quando a fronteira abrir para brasileiros”, reconhece Diogo Elias, diretor de vendas e marketing da Latam Brasil.

Outra mudança esperada com ansiedade pelo setor é a retomada da concessão de vistos B2, para brasileiros que queiram fazer turismo nos Estados Unidos.

As entrevistas, tanto para vistos novos quanto para renovações, estão suspensas desde 17 de março de 2020.

O Consulado Geral em São Paulo não divulga quantos pedidos estão represados e avisa que ainda não há previsão para retomada. Mas a fila continua crescendo.

Só a American Visa, que cobra R$ 250 pela assessoria no preenchimento dos formulários, tem 2.000 clientes agendados à espera em São Paulo.

Desde junho de 2020, é possível dar entrada no processo e pagar a taxa de 160 dólares por pessoa (cerca de R$ 790).

Só que o sistema agenda a entrevista para vários meses adiante —quem deu entrada no pedido em junho de 2021 teve a entrevista marcada para daqui a um ano.

Ainda assim, o agendamento não é garantia de que a entrevista será de fato realizada. Por enquanto, 15 dias antes da data marcada, o sistema envia uma mensagem simples de cancelamento. Cabe ao candidato entrar na fila de novo.

“A espera ficou ainda maior porque, ano passado, venceu a primeira leva de vistos com dez anos de validade, concedidos a partir de 2010”, explica Vicente Gagliardi, 34, proprietário da American Visa.

Além de amargar a longa espera sem definição, essa turma está se surpreendendo com o novo formulário, que mudou durante o governo de Donald Trump.

Editora do site de viagens You Must Go!, a carioca Renata Araújo, 51, teve o visto de turista expirado em julho de 2020 e, apesar da experiência, levou cerca de duas horas preenchendo a papelada virtual.

“Me pediram para fornecer redes sociais, contato de algum conhecido nos Estados Unidos ou de uma loja onde eu já tenha comprado, meus últimos empregos, contatos dos meus ex-chefes… Sem contar que o sistema cai o tempo todo, se você não tem o cuidado de salvar a cada página, perde tudo”, relata.

Desde abril, foi retomada a concessão de vistos para estudantes já matriculados nos Estados Unidos, além de jornalistas, acadêmicos e pessoas envolvidas em trabalhos humanitários.

Quem não faz parte desses grupos e não tem visto, mas tem muito dinheiro no bolso, tem uma alternativa —agendar a entrevista na embaixada americana em Nassau, capital das Bahamas, única representação diplomática dos Estados Unidos que renova vistos para turistas brasileiros fora do Brasil.

Como a maioria dos voos para Nassau faz escala em solo americano, o único jeito de chegar com um visto expirado é ter avião próprio ou fretar um jatinho. Segundo Gustavo Faustino, o trecho não sai por menos de 25 mil dólares, o equivalente a quase R$ 124 mil.

“É assim que pessoas de alto poder aquisitivo estão renovando seus vistos. Parece que, quando se trata de visitar os Estados Unidos, brasileiros não medem gastos.”

Fonte: Folha de S.Paulo