
Ultimamente tenho tentado me reaproximar de Governador Valadares. Sempre amei Valadares, cidade em que passei 17 felizes anos de minha vida. Há muito tempo não apareço por lá.
Meu medo é o de que aquele lugar que cresci amando, já não exista mais.
Algo como um amor da adolescência que você reencontra, muitos anos depois, casada, maltratada, mãe de filhos, esperando a condução num ponto de ônibus. Ainda não aconteceu comigo.
A Valadares da minha saudade tinha coqueiros beira-rio, ingazeiras, mangueiras onde se colhia frutas de ouro, suculentas e doces.
Em São Raimundo – o bairro que me viu crescer -, as ruas tinham nome de pedras.
Os poetas Abel Costa e Bispo Filho moravam na Esmeralda; 0 meu pouso era na Topázio e os amigos de futebol, Marquinhos, Ney e Wellington Mingau viviam na Turmalina.
Joguei bola na Granada, quase namorei uma moça na Ametista, corri da polícia na Safira.
Nada grave, apenas um bando de meninos pulando a cerca de uma chácara alheia para apanhar carambolas, jambos, jenipapos e pitangas.
Na minha Valadares tinha um rio correndo em nossas veias e que ainda hoje atende pelo mesmo nome.
O Rio Doce, tinha margens verdes, prainhas de areia branca, remansos, corredeiras, e peixes de ouro e prata.
Na cidade que resiste em minha emoção como oitava maravilha do mundo, tinha uma pracinha e uma fonte de onde jorrava uma cascata luminosa que mudava de cor.
Tinha banquinhos de cimento onde casais namoravam sem medo de assalto; tinha e um pipoqueiro.
Tinha castanheiras frondosas espalhadas às margens das ruas, ipês amarelos e roxos aos pé da serra e flamboyants que sangravam no verão.
Na Valadares – que não morrerá jamais – existia uma santa que nos abençoava do alto do pico do Ibituruna, seus braços sempre estendidos, o sorriso enigmático anunciando chuvas.
Minha cidade eterna tinha personagens igualmente eternos, como o ceguinho Olé.
Como Adriano Dias da Silva, o Casca Grossa, lenda do radio, uma espécie de celebridade local.
Cidade de Beto Tranca-rua, repórter esportivo que também acabaria enveredando pela política, mesmo caminho escolhido por Júlio Tebas Avelar, homem que inventou o colunismo social nos jornais da cidade.
Naquele lugar que não morre nunca, jovens se amontoavam nas proximidades do cine Pio XII para tomar sorvete, comer cachorro quente e flertar nas noites calorentas de sábado.
Lá, os vizinhos eram vizinhos de verdade, uma espécie de extensão da família. Muito mais do que receitas de bolo e fofocas, trocavam gentilezas que iam desde um pouco de pó-de-café a uma caneca de açúcar, quando a lata da casa ficava vazia.
Viravam compadres, apadrinhavam filhos uns dos outros, casavam os filhos de uns com os dos outros, consolavam-se nas tristezas, ficavam felizes nas alegrias.
Na minha cidade eterna tinha quadrilha, dias de chuva e sol, sol e chuva; e casamento de viúva nas festas juninas.
Tinha quermesse e novena, um padre que ‘passava o sabão’ e um serviço de alto-falantes que despejava Roberto Carlos e Wanderlei Cardoso sobre nós.
Tinha passarinhos nos quintais: tizís, rolinhas, canários do reino, curiós, andorinhas e cuitelinhos.
E tinha muito mais.
Na Governador Valadares do meu coração tinha cantos encantadores em todos os cantos, e tantas outras maravilhas, que fizeram de mim esse homem estranho, condenado a passar o resto da vida correndo atrás do menino que foi .
Fonte: Brazilian Voice