Minha primeira vez numa piscina emanatória de água radioativa me fez entender porque Araxá, em Minas Gerais, atrai visitantes desde o final do século 17. Quando submergi, pensei que a única diferença entre nadar ali e numa piscina tradicional seria a temperatura de 37°C. Após algum tempo, porém, notei que a água fazia eu me sentir mais leve. E ao sair da água, meu corpo estava tão relaxado quanto estaria após uma sessão de massagem. Não tenho dúvidas que, se tivesse ido de lá direto para o quarto, teria tido uma das melhores noites de sono da minha vida entre os lençóis de 300 fios de algodão egípcio e enxoval novinho em folha. Mas eu ainda tinha muito o que ver e fazer nesse gigante que é o Grande Hotel Termas Araxá, um clássico da hospitalidade brasileira que voltou repaginado em 2022.
Inaugurado em 1944, o complexo de termas e hotel foi idealizado pelo então presidente Getúlio Vargas e pelo governador mineiro Benedito Valadares, que pretendiam atingir dois propósitos de uma só vez: montar um posto avançado do governo no Triângulo Mineiro e estimular o turismo na região. A escolhida para receber a construção foi a cidade de Araxá, que se tornou popular em meados de 1800 por conta das propriedades medicinais das águas de uma antiga casa de banhos. E também por Dona Beja, que era vista pela sociedade da época como uma mulher promíscua e que teria usado de sua beleza e fama para conquistar influência política e econômica. Essa figura histórica e polêmica, que nos dias de hoje talvez fosse chamada apenas de empoderada, tornou-se famosa a ponto de sua história virar a novela Dona Beija, protagonizada por Maitê Proença e transmitida em 1986 pela extinta Rede Manchete.

Cinquenta anos depois de abrir as portas, o Termas de Araxá acabou se tornando um hotel decadente e fechou. Em 2001, um grupo hoteleiro assumiu e depois passou a bola para outras duas empresas, que jamais conseguiram trazer o Grande Hotel de volta aos tempos áureos. O Grupo Tauá assumiu a administração em 2010 e tentou emplacar o mesmo conceito de outros resorts do grupo, cuja proposta gira em torno da recreação para famílias com crianças. A coisa não funcionou, os salões históricos acabavam por ficar ociosos e a mobília de época corria risco de ser danificada.
Em 2022, houve uma virada de chave. Na verdade uma volta às origens para o que o Termas de Araxá sempre foi, um hotel focado em bem-estar e que enaltece o seu ativo maior: as águas com propriedades terapêuticas. Quem conduziu o reposicionamento foi o empresário Facundo Guerra, um craque quando o assunto é pegar lugares esquecidos, às vezes degradados e reerguê-los, vide os paulistanos bar Riviera, a boate Love Story e o Bar dos Arcos, nas fundações do Theatro Municipal. Com isso em mente, o Grande Hotel Termas de Araxá resgatou a sua essência e reabriu em 1° de dezembro com novas equipes, serviços, restaurantes, cardápios, enxoval e, claro, as termas.

Um hotel que é um pouco museu
O edifício monumental do Grande Hotel Termas de Araxá tem quase 80 anos e foi tombado como patrimônio histórico pelo estado de Minas Gerais. São quase 50 mil metros quadrados projetados pelo arquiteto Luiz Signorelli e seu sócio, Rafael Berti, que revestiram o exterior do edifício com tijolos avermelhados na tentativa de transmitir simplicidade e fazer referências às construções coloniais espanholas. Por dentro, o estilo neoclássico faz alusão a monumentos europeus variados, como os palácios franceses, os pubs escoceses, fontes romanas e, ao final, tudo se encaixou. A cereja do bolo ficou por conta de Roberto Burle Marx, que cercou tudo isso com seu fenomenal paisagismo e ainda colocou alguns de seus quadros na suíte presidencial. Por causa do tombamento, alguns cômodos não podem ser reformados e existem móveis que sequer podem ser trocados de lugar. Mas isso é parte do atrativo do hotel e, após a reformulação, foram espalhados 72 QR Codes com textos, áudios e vídeos explicando a história dos espaços.
Se a primeira impressão é a que fica, o Grande Hotel se sai bem com o Solar dos Araxás, salão que pode ser visto logo que o hóspede atravessa a recepção e parece ter saído dos cenários da série Bridgerton. Seguindo pelo corredor à esquerda, a antiga biblioteca de Getúlio Vargas, com enormes painéis retratando o folclore brasileiro, é vizinha do Salão Ouro Preto, onde aconteciam apresentações de cancã, bailes de carnaval e até shows de Carmen Miranda. Com paredes revestidas de madeira de cerejeira, espelhos, cristais e cortinas de veludo escuro, esse foi meu salão preferido de todos. No andar de cima ficam outros salões que eram usados para festas, reuniões governamentais e projeções de filmes.

Sair caçando os QR Codes é indispensável, assim como ir até a recepção e pedir que levem você em um tour pelas suítes presidencial e governamental. Assombrado pela ideia de ser perseguido, Getúlio Vargas encomendou várias rotas de fuga ou distrações para seus possíveis algozes – há várias portas falsas que serviriam para despistar alguma emboscada contra o Presidente que pudesse ocorrer. Vargas ainda mandou fazer móveis que acomodassem sua baixa estatura e tudo permanece organizado da forma como ele os deixou. Com exceção de uma mesinha de vidro instalada no banheiro que foi levada anos mais tarde pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello, que tinha o hábito de despachar documentos dali. A suíte governamental é uma cópia da presidencial, mas com menos ostentação.
Acomodações
A necessidade de preservação histórica também tem seus reveses. Como o segundo andar é inteiramente tombado, não foi possível restaurá-lo, mas as 150 acomodações espalhadas por outros quatro andares puderam ser retocadas. A grande vitória do Grupo Tauá foi a autorização para trocar as camas de madeira por camas mais confortáveis, que se tornam o sétimo céu com o enxoval Trousseau de 300 fios. Outros móveis antigos, ainda bem, foram mantidos e têm o seu charme.
Os banheiros foram reformados, mas é uma pena que não tenha sido possível quebrar as paredes para trocar o encanamento: eu ouvia barulhos toda vez que algum dos meus vizinhos abria a torneira. Os corredores, com decoração um tanto datada, não passaram por renovações e minha mente cinéfila só lembrava do filme O Iluminado.

As categorias de quartos Solarium e Deluxe são semelhantes: ambas acomodam até duas pessoas numa cama de casal e têm diárias a partir de R$ 960. A diferença entre elas é que os quartos Solarium possuem varanda e poucos metros quadrados a mais. Em compensação, os Deluxe têm algumas comodidades, como mesas de cabeceira, armário embutido e poltrona.
Os mesmos recursos da categoria Deluxe também estão nos quartos Superior Deluxe, que são um pouco maiores e acomodam até quatro pessoas em duas camas de casal ou uma de casal e duas de solteiro, com diárias a partir de R$ 1.112,96.

Para famílias ou grupos, a Suíte Luxo e a Suíte Especial possuem dois dormitórios separados. Na Luxo, até seis pessoas podem pernoitar em um quarto com uma cama king size, e outro quarto com duas camas queen size. Há apenas um banheiro e as diárias começam a partir de R$ 1.607,04.
Na Especial, um quarto possui uma cama de casal enquanto o outro tem duas camas de solteiro. Essa acomodação é a mais histórica do hotel, ainda com camas de madeira, banheira, quase um cenário para filme de época. Os preços começam em R$ 2.089.60.
Por fim, a Suíte Nobre acomoda apenas duas pessoas, mas é uma das maiores por ter uma sala de estar separada do quarto e uma varanda. Diárias desde R$ 2.499,20.

As Termas
“Se não houvesse as águas, Araxá não seria Araxá” é o lema que pauta o novo posicionamento de bem-estar do hotel. Mas chegar às termas em si pode ser uma jornada labiríntica. Ainda que os prédios do hotel e das termas estejam interligados e tenham nascido de um mesmo projeto, eles foram inaugurados com dois anos de diferença e funcionam de maneira quase independente.
Não importa em qual lado ou andar seja seu quarto: para chegar até lá, é preciso descer até a recepção e pegar o corredor à esquerda até o final, onde ficam algumas saídas de serviço, como a da cozinha, e uma escada quase escondida. Depois de subir, chega-se a uma sala com poucos móveis que se abre para um corredor enorme. É um alento quando terminamos de percorrê-lo e chegamos na recepção e nas salas de massagem das termas que foram impecavelmente renovadas.

O ritmo ali é outro. Todos falam sussurrando, como um vídeo de ASMR, seja enquanto agendam os procedimentos ou quando a experiência está em andamento. Assim que troquei minhas roupas e preenchi um formulário com minhas preferências para a massagem, fui encaminhada para uma sala com camas, sofás e balanços onde me ofereceram três opções de chás. Enquanto bebia, a massagista Amanda se apresentou e pediu que eu escolhesse os aromas que seriam utilizados no tratamento. Depois de um tempo, fui chamada para a sala onde o ritual começou com um escalda pés e um alongamento, seguidos pela massagem. Toda a experiência é voltada para a tranquilidade e quietude, o que fez com que não só meu corpo, mas também minha mente sempre tão inquieta, ficassem relaxados – tanto que senti um certo incômodo quando voltei para o mundo das vozes em volume normal.

Depois dessa primeira estação das termas, há mais um corredor que leva até a abóbada central, com uma mandala de oito pontas no piso, um belo vitral no teto e pinturas sobre a história de Araxá nas paredes. A partir dali é que se tem acesso à academia, às saunas, à piscina emanatória e às salas de banho. Diferentemente das primeiras salas, estas não foram modernizadas e possuem uma estética mais condizente com 1942, ano da inauguração.
Também é ali que acontece o Labirinto de Velas, uma experiência que se utiliza da mandala e da acústica do local e que acontece todas as quintas-feiras, às 19h. A ideia é que os hóspedes caminhem pelos espaços formados por centenas de velas, aproximando-se do centro, onde a artista Patrícia Valle dedilha um violão e entoa mantras. Após a caminhada, a cantora conversa sobre temas como consciência, presença e ações humanas. A conversa foi ao mesmo tempo reflexiva e intrigante. Apesar de não haver um código de vestimenta, não é recomendável ir com calças de boca larga ou vestidos compridos, para evitar qualquer acidente com as velas.

Fora a possibilidade de agendar os tratamentos individuais, o complexo propõe jornadas de bem-estar de 1, 3 e 5 dias que podem ser combinadas com antecedência. Nesses programas, é possível fazer algumas atividades que estão fora do menu geral, como aulas de yoga, meditação guiada e sessões de watsu e reiki. A lista dos programas pode ser acessada neste link.
As Termas de Araxá funcionam diariamente, das 10h às 20h, e todos os tratamentos devem ser agendados com antecedência pelo telefone ou Whatsapp (34) 3669-7006. Veja a seguir os procedimentos oferecidos individualmente e os valores de fevereiro de 2023:

Outras atividades
O Grande Hotel Termas de Araxá está localizado dentro do Parque do Barreiro, onde há um lago e um complexo esportivo. Caminhar pelos arredores é um passeio interessante, pois além do contato com as nascentes de riachos também é possível chegar até a Fonte Dona Beja, de onde vem a água radioativa que abastece as termas. Os hóspedes também podem praticar caiaque e stand up paddle sem custo. O acesso à praça de esportes é liberado e o hotel cede raquetes de tênis e bolas. Vale conversar com a recepção para saber qual a programação do dia.

Pelo parque, também é possível acessar trilhas que levam até as ruínas do Hotel Rádio. Antes de ser construído o Grande Hotel, era ali que personalidades como Getúlio Vargas pernoitavam quando visitavam a casa de banhos de Araxá. O local foi destruído em um incêndio que, segundo me contaram, foi iniciado por uma mulher que teria pego o marido adúltero no flagra.
Para as crianças, a piscina externa é diversão garantida, mas também há uma equipe de recreação que conduz brincadeiras, competições esportivas, oficinas de arte e passeios. Ótimo para entreter os pequenos enquanto os pais escapam para as termas. Mas é preciso dizer que o Termas não é um hotel focado em atividades infantis como tantos outros resorts.

Gastronomia
Há dois restaurantes e três bares no hotel, que se concentram majoritariamente na ala direita do primeiro andar. Na gastronomia, os novos cardápios foram pensados para valorizar os produtores locais: isso vai desde frutas, que são plantadas na região, até a cachaça mineira usada nas caipirinhas. Quem repensou a cozinha do Grande Hotel foi o chef Helbert Moura. Nos bares, há quatro drinques criados por Michelly Rossy, a bartender do Bar dos Arcos, que fica no Theatro Municipal de São Paulo.
As hospedagens podem ser apenas com café da manhã, com meia pensão (café da manhã e almoço) ou pensão completa (café da manhã, almoço e jantar). As refeições incluídas acontecem no restaurante Estância do Barreiro, um enorme salão transformado em buffet. De manhã, a mesa é um deleite para os aficionados por carboidratos: há os mais variados tipos de pães salgados e doces, além de um pão de queijo tão saboroso que deu vontade de encher a bolsa, mas me contive.
Nas outras refeições, a mesa é montada com muitas opções de verduras, legumes, grãos e queijos. A proposta de oferecer comidas mais leves conversa muito bem com a nova linha de bem-estar, mas senti falta de mais opções de pratos quentes. Para o meu gosto achei um tanto frugal. No final da fila, em compensação, há uma variedade de quase dez tipos de sobremesa, o que pra mim foi o ponto alto do buffet.

O outro restaurante, o Chez Beja, mais intimista, serve pratos à la carte que podem ser harmonizados com vinhos. Por ter menos mesas, é importante reservar.

Entre os dois ambientes está o Bar Varanda, onde são servidos drinks, lanches e frios entre as refeições. No entanto, o lugar mais interessante do Grande Hotel para beber é o Scotch Bar, onde a decoração faz referência aos pubs da década de 1940. Por fim, o Quintas do Lago é o bar que serve as mesas ao redor da piscina externa, de onde vê-se bandos de maritacas durante as manhãs e tucanos ao entardecer.

Como chegar
Quem vai de carro a partir de Belo Horizonte percorre 370km (quase seis horas) pela BR-262 até a entrada da cidade. Dali, é preciso acessar a Avenida Geraldo Porfírio Botelho e então a Avenida do Contorno, onde está o Grande Hotel. Partindo de outros destinos, o aeroporto mais próximo é o de Uberlândia, a duas horas de carro de Araxá. Como não é comum fazer passeios fora do hotel, não compensa alugar carro (o hotel pode agilizar um transfer entre as duas cidades por cerca de R$ 400).
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Fonte: Viagem e Turismo