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Um dia, uma cidade, tantas coisas

Arles, no sul da França, tem pouco mais de 50 mil habitantes, um número que faz cócegas, por exemplo, em bairros mais populosos de São Paulo. Para visitá-la, no último fim de semana, levei menos de um dia.

No entanto, trouxe de lá experiências que me fizeram sentir que eu tinha passado por uma grande capital cultural. E fico até um pouco perdido ao escolher por onde começo a te contar sobre tudo isso.

Sim, porque Arles está intimamente ligada às imagens que um dos maiores pintores da história, um certo van Gogh, implantou na nossa imaginação coletiva. E, só lembrando, ele esteve pouco mais de um ano na cidade. Picasso e Gauguin também passaram por lá.

Por causa disso eu deveria talvez falar primeiro da Fundação Vincente van Gogh Arles, que pega o legado deste artista e o eleva a outros patamares, como na exposição que lá vi, uma retrospectiva de Sigmar Polke, gigante da arte do final do século 20. Quem diria que as batatas conectariam esses dois gênios?

Ou talvez eu devesse começar por uma pequena casa, dedicada, curiosamente, a um artista sul-coreano: Lee Ulfan. Ficar diante do trabalho desse pintor e filósofo, com suas minimalistas pinceladas em enormes telas brancas, é o que existe de mais próximo do zen na arte contemporânea.

Imagine então atravessar salas e mais salas, habilmente adaptadas de um casarão do século 16 para receber os trabalhos, de um quase nada —que é um quase tudo. Você tem a sensação de sair flutuando de lá.

Ou quem sabe eu poderia começar falando da Fundação Luma, que com sua torre criada pelo arquiteto Frank Gehry redesenhou drasticamente a paisagem da cidade? Só de listar os artistas que vi por lá…

Além de ficar completamente fascinado com o espaço da torre Luma —como é possível duas escadas helicoidais serem o elemento mais comportado de uma construção?— seus olhos, ou ainda, todos seus sentidos são desfiados por trabalhos que desafiam sua percepção. Basta descer no tobogã de Carsten Höller e se entregar.

Da sala imprevisível de Phillipe Parreno, com um piano tocando sozinho e cortinas que se movem em sincronia com as luzes de uma gigantesca tela de led, até a estranha forma rosa que Franz West instalou no jardim, todo o espaço é um convite ao olhar. E que prazer foi ver o trabalho de uma brasileira, Erika Verzutti, ocupando um daqueles salões.

Há ainda o charmoso museu Reattu, o venerado espaço da mostra anual de fotografias (Rencontres d’Arles), e galerias independentes. É melhor nem começar a falar do passado da cidade, uma vez que os Romanos deixaram por lá um anfiteatro, uma arena, um obelisco, um aqueduto, termas…

Ah! A gastronomia. Não é por acaso que o guia Fooding, uma referência moderna para os fãs da boa comida na França, indica na sua última edição sete lugares para degustação quase pecaminosa em Arles. Eu mesmo comi uma vitela com tupinambor, no restaurante Chardon, que vai para o meu currículo de degustações históricas.

Tudo isso (e mais!), em um dia só, numa cidade só, no sul da França, numa pequena enorme capital cultural chamada Arles.

Fonte: Folha de S.Paulo