Pular para o conteúdo

Jogar ovo em político, um esporte ameaçado

Após exaustivo trabalho de investigação, com sofisticado aparato de inteligência policial, três homens foram presos no Pará antes de perpetrar um horrendo atentado: jogar ovos no governador Helder Barbalho, que visitou a cidade de Tucuruí na quinta-feira (20).

Isso mesmo. Prisão preventiva por tramar, maquinar, conspirar arremesso de ovos num político. É a distopia de “Minority Report” ao tucupi, indigesta como maniçoba malcozida.

No início do mês, em Belo Horizonte, a polícia invadiu sem mandado o apartamento de um homem e o levou preso. Ele fora apontado por vizinhos como o autor de uma ovada sobre manifestantes bolsonaristas na rua. Negou o ato e foi solto, mas tomou um perrengue na delegacia.

No Brasil de 2021, pessoas vão em cana por suposto ataque com ovo. Por intenção de jogar ovo em políticos e desafetos políticos. É um flagrante atentado à liberdade de expressão, o cerceamento de um esporte popular. Esporte bruto, feio e sujo, mas arraigado na tradição.

Dizem que, dependendo da velocidade, um ovo pode machucar –embora haja comidas de maior potencial ofensivo. Exemplos: abacaxi, coco, lata de sardinha e peru congelado.

Nunca se ouviu falar de vereador ou prefeito que tenha morrido de ovada, ainda assim vale repetir: não é de bom-tom.

Vale também reparar que, historicamente, nossa espécie tem evacuado e caminhado para esses bons modos. A saraivada de comida, fresca ou podre, animal ou vegetal, nos acompanha desde sempre.

O primeiro registro data do ano 63 da era cristã. Vespasiano, futuro imperador romano, tomou uma chuva de nabos na província africana sob seu governo. Apesar de o incidente ter entrado nos anais, não vem dele a expressão “levar nabo”.

O ministro Gilmar Mendes, do STF, escapou de um atentado com tomate em 2017. O acusado negou a intenção de ferir Gilmar, pois portava somente “tomates maduros ou cozidos”. Uma juíza federal decidiu que o homem, bolsominion empedernido, exercia o direito de expressão.

Na Inglaterra, recentemente virou modinha atirar milk-shake nos políticos e assemelhados –protesto caro até para os ricos britânicos. Na Grécia, a arma de tradição é o iogurte.

Em Taiwan, o parlamento nem precisou de manifestantes externos: congressistas de oposição tacaram vísceras de porco em colegas governistas no ano passado. Sarapatel à chinesa.

A despeito das opções exóticas ou gourmet, o ovo sempre foi o objeto favorito para o tiro ao alvo em gente poderosa. Cabe na palma da mão, voa longe e seu efeito moral é o mais devastador dos hortifrutigranjeiros.

Tomaram ovo Richard Nixon, Emmanuel Macron, Mário Covas, Arnold Schwarzenegger, Paulo Maluf, João Doria e –não poderia faltar– Jair Bolsonaro, em 2017, quando era deputado federal.

Ovada nos poderosos é coisa grosseira, gosmenta, rude, primitiva, catártica, às vezes hilariante. É um esporte ameaçado –menos pela perseguição policial, mais pelo preço da comida. Não faça. Guarde seus ovos para o almoço, pois carne não vai rolar.

(Siga e curta a Cozinha Bruta nas redes sociais.  Acompanhe os posts do Instagram, do Facebook  e do Twitter.)

.

Fonte: Folha de S.Paulo